Texto publicado na revista BEM VIVER, nº 13, maio de 2012, Ribeirão Preto.
porque estou grávido de você! Disse isso num impulso, quase sem pensar e quase ao mesmo tempo do último suspiro da mãe. Era a última cena daquele derradeiro ato. E sem qualquer contenção de lágrimas, sentou-se aos pés da cama e olhou fixamente o rosto da mamma – belo! solar! – já se distanciando da vida terrena. A correntinha com a efígie de um oroboro na medalha, que Ela usara a vida toda, Ele agora colocava em seu pescoço e se despedia.
A dor já o vinha rasgando por dentro fazia tempo. Pressentia tempestades dentro de si quando a mãe o olhasse pela última vez, esperava o estilhaçamento do coração... mas nada disso acontecia. Só lágrimas. Por mais que se esforçasse para sofrer Ele não sofria. Por mais que quisesse ser dilacerado, não conseguia. Envolto em silêncio absurdo, soava dentro dEle, o Requiem de Mozart. Era um mistério aquilo que estava sentindo. Sabia muito da vida, mas quase nada sobre a morte. Desmoronava e, no entanto, sentia leveza. Era como se aquela situação desse a Ele a certeza de que a morte tinha suavidade... E tem! Uma pureza como um conto de fadas, onde a recompensa é sempre maior que a dor e o castigo.
Sobre aquela mulher não havia voz discordante. Aquela guerreira – generosa e serena – sempre carregada de muita bondade humana alcançara grau máximo de sabedoria. Soube como poucas administrar seus universos: o da racionalidade e o da afetividade. E, sobretudo, como ninguém, soube ensinar. Esse era o legado da mamma. E como capitalizar essa grandeza se não se engravidar de toda aura materna? Esse foi o insight. Ao dizer as últimas palavras firmava o pacto de garantir a manutenção de um pouco mais de dignidade sobre a terra
Como um relâmpago veio-lhe ao pensamento o que a mãe já não podia escutar, queria ter gritado: escolhi você, decidi ser seu filho por tudo isso que você deixa... Não blasfemava. Se vista de fora talvez a cena revelasse uma pintura, uma concepção ousada e invertida de pietá.
Seu tempo aos pés da cama estava acabando. Em prece, bem baixinho, disse um Drummond: o pássaro é livre na prisão do ar. O espírito é livre na prisão do corpo. Mas livre, bem livre é mesmo estar morto. Depois, como que ungindo, acariciou a face da mamma e como um príncipe encantado segurou-lhe a mão, deu-lhe um beijo na testa e saiu para ficar sozinho. Foi para o jardim e pegou um figo no pé, era tempo della befana, uma das tradições que a mãe fazia questão de cultuar. Depois acendeu um cigarro, depois um segundo e mais outro... Não por acaso, como há muito não se via, no céu daquela noite, Júpiter mostrava-se mais iluminado.
Claro que Ele não dormiu! E quando o sol já aparecia naquela parte do mundo. Ele – que sempre foi do bem – enxugou a última lágrima e começou a ir embora. E pelo andar já era possível reconhecer que ali estava um homem acrescentado.
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