domingo, 15 de abril de 2012

Menor que meu sonho, não posso ser. Lindolf Bell


Texto publicado na revista BEM VIVER, nº  9, publicação quadrimestral da Construtora Pereira Alvim de Ribeirão Preto.



Uma velha e sempre providencial história.

           

Um estava na esquina, encostado à parede. Encolhido e quieto, sem nada para ser notado. Era Um comum. O Outro andava pela calçada. Vinha em paz. Com uma moeda na mão, buscava alguém que a merecesse: sua boa ação daquele dia. Com ela, Outro sabia que qualquer Um, poderia ter alimento, teto, boa saúde, crescer, tornar-se letrado, enfim...  usufruir do  melhor das coisas.  Quando Outro viu Um, parou radiante e estendeu-lhe a moeda. Perfeito! Completava sua benemerência. Entronizava-se nos benefícios dos céus!

Um agradeceu a generosidade, mas não estendeu a mão para a moeda. Não aceitava a oferta. “Não?!” O Outro estranhou: “um miserável não aceitar!?” Talvez ruídos na comunicação... e insistiu na oferta. Um disse que se o Outro quisesse dar-lhe alguma coisa, que lhe desse ouvidos por sete minutos: “apenas sete! só sete!” Desse, e Um estaria recompensado. Teria recebido o donativo. “Está bem!” O outro concordava. “Mas... porque sete?”

Com paciencia secular, principiou falando dos sete... pecados capitais! E falou muito sobre eles!  Bastante mesmo! Depois disse das sete idades do homem, dos sete planos da evolução, das sete virtudes humanas. “O sete – enfatizava – traz a idéia de totalidade, do completo!”

Argumentando acerca do sete na história, astronomia, teosofia, esoterismo, filosofia, física, e outros conhecimentos,  Um  passeava por todas as ciências, crendices e sabedoria popular, tirando o véu do número da perfeição. Assim, as sete rondas planetárias e as sete raças-raiz foram sendo vislumbradas, da mesma forma que os sete elementais, as sete divindades que regem a natureza.  O significado do  sete ia sendo disseminado ao vento... Estacionados em pé, ali na calçada, Um e Outro permaneceram dias e dias numa interminável  interlocução. Um delírio, navegando entre o céu e o centro da terra, com gostoso gosto de mel. Depois de quase terem penetrados no insondável, Um perguntou ao Outro: “tenho agora os sete minutos de sua atenção?” O Outro disse sim apenas com o cintilar dos olhos. Então Um falou:  “para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim como em cada lago, a lua toda brilha, porque alta vive.” Dito isso, arrematou: “menor que meu sonho, não posso ser”, um micro poema de seu amigo poeta. Cravados sete minutos, sem necessidade de conferir o relógio, Um não abriu mais a boca, porque nada mais precisava ser dito. Acenou grato pelo tempo concedido,  e assim foi se despedindo do Outro. Atravessou a rua, procurou o melhor jeito de ficar exposto ao sol e pôs-se a espera.

Ainda com coisas intrincadas mexendo por dentro, o Outro que tentava compreender melhor aquele encontro, viu que não demorou nada para Outra pessoa – agora com duas moedas, uma em cada mão – surgisse e se dirigisse ao Um. A Outra aproximou-se  de Um, e... o mesmo ritual! 

O Outro, repentinamente sobressaltado, abandonou o caminho que deveria ir em frente e deu meia volta. Correu o mais rápido que pode para chegar em casa. Agia como alguém que não poderia perder mais tempo. Vasculhou por todos os cantos até encontrar o “empoeirado” Fernando Pessoa. E logo que pegou o poeta, mergulhou no próprio. Não demorou muito gritou agoniado, como se tivesse em transe: “EU! DEVORANDO POESIA!?”

Pensou que estivesse doente, delirando. Mas não estava não. É que Um tinha engravidado Outro. Pressentindo isso, voltou aos poemas.












Um comentário:

  1. Marco este texto é seu ou do Lindolf Bell? Ou a epígrafe é de um poema de Bell? Ou esta frase é de Fernando Pessoa? Poderia esclarecer?

    ResponderExcluir