Texto publicado na revista BEM VIVER, nº 12, publicação quadrimestral da Construtora Pereira Alvim de Ribeirão Preto.
Aos domingos Ele gostava de atravessar a manhã fazendo coisas sem muitas responsabilidades. Aquele domingo não era diferente: já com o rádio ligado espreguiçou na cama por mais de meia hora, foi ao banheiro, abriu um pacote de bolacha e só deixou de lado a malemolência quando ouviu o locutor anunciando: Hoje teremos um programa especial. Verificou o dial e viu que não era sua emissora predileta. Estava tentado a colocar na sua favorita quando o speaker prosseguiu: O melhor dos anos 60. Do you wanna dance na voz de Johnny Rivers. Ele soltou um exultante MEU SENHOR DO CÉU! e uma voltagem alta correu pelas suas veias: a vida retrocedeu aos tempos do noturno no colégio estadual e se viu dançando nos bailinhos pró-formatura. Quase instantaneamente sentiu na boca o gosto de um hi-fi, bebida “quente” daquela época. Daí para as imagens correrem “enlouquecidas” pela sua cabeça foi um pulo: a bala piper depois do hollywood sem filtro; calça LEE, ked's e camisa ban-lon; o DKW-VEMAG da família; seu perfume Lancaster; as histórias de Carlos Zéfiro; galocha; sua Parker 51; a resistente vitrola Telefunken; violeta genciana; drops Dulcora; a Lambretta do primo endinheirado; “Olhais os lírios do campo” primeiro livro lido inteiro. Alucinava-se!
A memória turbilhonava enquanto o programa seguia: Ouviremos agora Stella by starlight com Ray Charles... Por instantes veio à memória o terrível golpe que o País sofreu nos 60, mas logo afastou do pensamento aquela tragédia, queria apenas o outro lado daqueles tempos.
As ondas do rádio continuavam trazendo:.. para corações eternamente enamorados, Roberta com Peppino di Capri. Depois vieram Ray Conniff, Nico Fidenco, Peter Paul and Mary, The Diamonds, Rita Pavone, Frankie Valli, Mammas and Pappas, Brenda Lee... Ah! que celebração! Vivia uma espécie de “momento epifânico”, um mergulho profundo no afeto
De repente sem qualquer anuncio ouviu-se um la laralara...laralara... que paralisou Ele por completo. Depois do laralara Emilio Pericoli abriu a voz... Non credevo possibile, se potessero dire questa parole. Al di lá del bene più prezioso, ci sei tu... Ele atingia o êxtase! A lembrança que literalmente tomou conta dEle foi a do primeiro namoro “sério”. Recordou que queria viver idêntica paixão que havia visto no cinema. Havia ficado comovido com o bom moço – Troy Donahue – apaixonando-se pela mocinha – Suzanne Pleshette, e queria protagonizar cena idêntica, principalmente aquela em que os dois bebiam Strega. O licor carregava uma lenda: quando duas pessoas bebem Strega, permanecem unidas para sempre! Ele e Ela depois do filme beberam um cálice do licor e pela primeira vez na vida Ele disse: Eu te amo!
O rádio foi interrompido por fortes batidas na porta: era o vizinho do andar de baixo. Contendo-se, o homem disse que estava batendo há pelo menos 15 minutos: – Mas o que está acontecendo? Ele quis saber. Entre dentes o vizinho rosnou: – A água do seu box está vazando toda no meu box! – Nossa! Arrepiou! Havia aberto o chuveiro para uma ducha e... e... correu, fechou o registro, pediu desculpas, disse que pagaria todo estrago e fechou a porta com o vizinho ainda ruminando a raiva.
Voltou rápido ao programa. Agora tocava Io che amo solo te com Sergio Endrigo e Ele retomava o halo dos tempos dourados. Lentamente revirou o fundo de uma gaveta e trouxe à luz um envelhecido envelope pardo abarrotado de coisinhas... um bilhete onde ainda podia se ler: nunca esqueça de mim, fotos 3x4, duas embalagens de dadinhos Diziolli, pétalas ressecadas de uma rosa, uma folha de caderno espiral com marca de batom... Pegou o telefone e ligou para a locadora reservando o Candelabro Italiano para aquela tarde.
Aos domingos Ele gostava de atravessar a manhã fazendo coisas sem muitas responsabilidades. Aquele domingo não era diferente: já com o rádio ligado espreguiçou na cama por mais de meia hora, foi ao banheiro, abriu um pacote de bolacha e só deixou de lado a malemolência quando ouviu o locutor anunciando: Hoje teremos um programa especial. Verificou o dial e viu que não era sua emissora predileta. Estava tentado a colocar na sua favorita quando o speaker prosseguiu: O melhor dos anos 60. Do you wanna dance na voz de Johnny Rivers. Ele soltou um exultante MEU SENHOR DO CÉU! e uma voltagem alta correu pelas suas veias: a vida retrocedeu aos tempos do noturno no colégio estadual e se viu dançando nos bailinhos pró-formatura. Quase instantaneamente sentiu na boca o gosto de um hi-fi, bebida “quente” daquela época. Daí para as imagens correrem “enlouquecidas” pela sua cabeça foi um pulo: a bala piper depois do hollywood sem filtro; calça LEE, ked's e camisa ban-lon; o DKW-VEMAG da família; seu perfume Lancaster; as histórias de Carlos Zéfiro; galocha; sua Parker 51; a resistente vitrola Telefunken; violeta genciana; drops Dulcora; a Lambretta do primo endinheirado; “Olhais os lírios do campo” primeiro livro lido inteiro. Alucinava-se!
A memória turbilhonava enquanto o programa seguia: Ouviremos agora Stella by starlight com Ray Charles... Por instantes veio à memória o terrível golpe que o País sofreu nos 60, mas logo afastou do pensamento aquela tragédia, queria apenas o outro lado daqueles tempos.
As ondas do rádio continuavam trazendo:.. para corações eternamente enamorados, Roberta com Peppino di Capri. Depois vieram Ray Conniff, Nico Fidenco, Peter Paul and Mary, The Diamonds, Rita Pavone, Frankie Valli, Mammas and Pappas, Brenda Lee... Ah! que celebração! Vivia uma espécie de “momento epifânico”, um mergulho profundo no afeto
De repente sem qualquer anuncio ouviu-se um la laralara...laralara... que paralisou Ele por completo. Depois do laralara Emilio Pericoli abriu a voz... Non credevo possibile, se potessero dire questa parole. Al di lá del bene più prezioso, ci sei tu... Ele atingia o êxtase! A lembrança que literalmente tomou conta dEle foi a do primeiro namoro “sério”. Recordou que queria viver idêntica paixão que havia visto no cinema. Havia ficado comovido com o bom moço – Troy Donahue – apaixonando-se pela mocinha – Suzanne Pleshette, e queria protagonizar cena idêntica, principalmente aquela em que os dois bebiam Strega. O licor carregava uma lenda: quando duas pessoas bebem Strega, permanecem unidas para sempre! Ele e Ela depois do filme beberam um cálice do licor e pela primeira vez na vida Ele disse: Eu te amo!
O rádio foi interrompido por fortes batidas na porta: era o vizinho do andar de baixo. Contendo-se, o homem disse que estava batendo há pelo menos 15 minutos: – Mas o que está acontecendo? Ele quis saber. Entre dentes o vizinho rosnou: – A água do seu box está vazando toda no meu box! – Nossa! Arrepiou! Havia aberto o chuveiro para uma ducha e... e... correu, fechou o registro, pediu desculpas, disse que pagaria todo estrago e fechou a porta com o vizinho ainda ruminando a raiva.
Voltou rápido ao programa. Agora tocava Io che amo solo te com Sergio Endrigo e Ele retomava o halo dos tempos dourados. Lentamente revirou o fundo de uma gaveta e trouxe à luz um envelhecido envelope pardo abarrotado de coisinhas... um bilhete onde ainda podia se ler: nunca esqueça de mim, fotos 3x4, duas embalagens de dadinhos Diziolli, pétalas ressecadas de uma rosa, uma folha de caderno espiral com marca de batom... Pegou o telefone e ligou para a locadora reservando o Candelabro Italiano para aquela tarde.